quinta-feira, julho 01, 2004

O melhor e o Pior

O Melhor:

Terça-feira, 29 de Junho de 2004: Com meu carro preso na Cidade Universitária por causa do rodízio, aceitei o convite de um colega de sala para ir ao cinema no Shopping Villa Lobos, onde fomos assistir Pelé, Eterno. Como disse meu amigo, esse filme demonstra de que as mulheres são menos companheiras do que os homens: homens acompanham suas namoradas e esposas nos chick ficks, mas num filme quase inteiramente composto de cenas de futebol, contavam-se nos dedos as mulheres presentes, e as pouquíssimas que estavam lá vibravam com os gols. Maldades à parte, é um filme com dois lados: para alguém que, como eu, nunca viu o Pelé jogar, é uma comprovação do que os mais velhos nos dizem: Pelé foi o maior jogador de futebol de todos os tempos. Por outro lado, para quem, como eu, acompanhou a história recente de Edson Arantes do Nascimento, é uma tremenda obra de desinformação, típica propaganda oficial dos tempos em que Pelé reinava nos gramados.

Do primeiro lado temos algumas centenas de gols - os restantes deverão compor um segundo filme, mas, seguindo a média de 400 gols por filme (fora outros lances que não deram em gols), tem material até para um terceiro! - muitos simples, vários bem elaborados, outro tanto geniais e alguns verdadeiramente incomparáveis, como o gol da final contra a Suécia em 1958, em que ele deu um chapéu num zagueiro na pequena área e bateu sem deixar a bola quicar. Além dos gols, vêem-se dribles, lances artísticos, gols de outros jogadores dos quais Pelé participou, tudo pontuado por depoimentos de jogadores da época, do Brasil e do exterior (só para citar: Zito, Pepe, Rivelino, Beckenbauer, Menotti, entre muitos outros). Mas o melhor do filme são mesmo as histórias que só podiam ter acontecido com um mito, como a tremenda vaia que um zagueiro do Bahia levou ao impedir, em cima da risca de cal, aquele que seria o 1000º gol de Pelé, num jogo em que toda a Bahia estava descaradamente facilitando as coisas para o "Negão" marcar seu gol histórico; Pelé não só não marcou como com a contusão do goleiro do Santos (não fica claro se foi encenada) foi jogar de goleiro!

Do outro lado, temos um apagamento de tudo o que foi negativo para a imagem de Pelé. Seu "azar" nos negócios é creditado ao seu excesso de confiança nos outros, o longo e constrangedor processo de reconhecimento da paternidade de Sandra Regina resume-se a uma frase, na qual se diz que ele a reconheceu por força de decisão judicial. Nada sobre o brasileiro não saber votar, nada sobre os escândalos recentes de sua empresa de marketing esportivo, nada sobre as controvérsias da malfadada lista da Fifa - em razão do quê o gol do Gérson na final da Copa de 70 não consta do filme, pois o "Papagaio" se negou a liberar os direitos de imagem. Ficou de fora também, para minha surpresa, aquela famosa frase dedicando o 1000º gol "às criancinhas".

No final das contas, se se entender que Pelé foi alguém que surgiu para o futebol em 1955, explodiu em 58 e parou definitivamente de jogar em 77, o filme até que conta bem a sua história; o que só demonstra que Pelé e Edson não são a mesma pessoa, como todo mito não é pessoa cujo corpo usa durante seu breve tempo conosco: ele é algo mais, que vive na cabeça das pessoas, na memória dos que o viram jogar e fazer mágica e na imaginação dos que só o conhecem por descrições de testemunhas oculares dos prodígios realizados. Tudo isso fica magistralmente resumido na frase do Drummond sobre o "Rei", onde as vírgulas fazem toda a diferença: Fazer mil gols, como Pelé, é fácil; fazer um gol como Pelé é muito difícil.

Em tempo: Por melhor que Pelé tenha sido, meu coração corintiano não consegue perdoá-lo pelo que ele fez com o meu time, que ainda não era, como infelizmente hoje não é mais, o Timão. Foram 11 anos de humilhações e gozações nos quais o Corinthians não conseguia ganhar uma partida sequer do Santos. Meu avô costuma contar, não sem uma ponta de mágoa, de uma partida, no Pacaembu, já fazendo seis anos que o Corinthians não ganhava do Santos, em que o "Negão" não jogou nada no primeiro tempo e placar marcava 2 a 0 para o time de Parque São Jorge. Antes do intervalo, a torcida, desavisadamente, começou a provocar a fera e a tirar barato; resultado: no segundo tempo, com três gols de Pelé, Santos 4 a 2 e a certeza de que, com o camisa 10 jogando, o Corinthians ia sempre ficar na fila.

O Pior:

Quarta-feira, 30 de junho de 2004: Em casa, diante da tevê, assisto o Flamengo perder de maneira incontestável para o nacionalmente desconhecido Santo André. Para quem chegou a assistir o Mengão de Zico, Junior, Leandro, Adílio, Nenes & Cia Ltda., a realidade é desoladora. A vitória do inexpressivo Santo André, dando um baile de organização e cabeça fria jogando num Maracanã cheio de rubronegros, marca a triste realidade do nsso futebol. Literalmente todos os grandes times do passado estão, para falar bom português, na merda. Nosso campeonato, resultado de décadas de desorganização, roubalheira e falta de respeito ao torcedor, amarga médias de público inferiores à de campeonatos de vôlei. A administração monárquica de clubes e federações entroniza a safadeza e pune a capacidade administrativa. O resultado desse vício estrutural de um futebol organizado sobre relações senhoriais, típicas da sociedade brasileira desde a Colonização, aparece em sintomas como a debandada geral dos craques para o exterior, alguns antes mesmo de terem jogado como profissionais em clubes brasileiros. O amigo Rique colocou recentemente um ótimo artigo sobre o assunto em seu blog.

O problema, a meu ver, é que não se conseguiu chegar, no Brasil, a um denominador comum entre paixão e negócio. O (o)caso do Corinthians é emblemático: a paixão inviabiliza o negócio - quem quer jogar num time para ser agredido fisicamente pela torcida? - e o negócio desconsidera a paixão - a frieza das cifras dos contratos e a consequente extrema mobilidade dos jogadores impede a criação de vínculos mais fortes com os clubes. Contra paixão e negócio, que já não se relacionam bem, temos ainda a rapinagem dos cartolas: desde o glorioso Santos, que a roubalheira - lembram-se da história das caixas de dólares que caíram do avião? - fez amargar um período de desgraças e penúria que só foi resolvido pelo providencial aparecimento de uma geração de novos craques que recebiam salário-mínimo, até o São Paulo - que não consegue explicar onde foi parar o dinheiro da venda de certos jogadores como o França - passando por Corinthians (que recebeu milhões da Hicks Muse e ficou sem nada), Botafogo, Flamengo, Vasco, Palmeiras, Fluminense, Atlético, Grêmio, o que se tem são clubes falidos e cartolas, que em tese não recebem pelos cargos que ocupam, milionários. A cosa chega ao cúmulo de se mandar, por lei, instalar câmeras sobre as catracas de entrada dos estádios para controlar a evasão de receita dos jogos.

Se o Galvão Bueno e Casagrande têm razão no que afirmaram durante a transmissão de ontem, que estamos vendo uma "Nova Ordem" no futebol brasileiro, em que o São Caetano é campeão paulista, o Santo André ganha a Copa do Brasil e o Brasileirão é liderado por Figueirense e Ponte Preta enquanto Corinthians, Flamengo e Botafogo ocupam as últimas posições da tabela, ameaçados de rebaixamento, então acho a coisa está mesmo preta para todos. Primeiro porque sem os times de grande torcida, a renda dos estádios cai e o interesse pelo campeonato diminui; vai levar anos de conquistas repetidas para os times pequenos e bem administrados que surgiram e se deram bem nos últimos anos atraírem uma torcida que dê sustentabilidade ao futebol como negócio. Depois porque sem a massa que empurra os times, o futebol perde muito de sua mística e capacidade de atrair atenção; se existe um esporte que depende de paixão, ele é o futebol. Ou os grandes times, se ainda houver tempo, aprendem com os pequenos como se organizar financeira e administrativamente, expulsando a cartolagem "amadora" e desonesta, ou o nosso futebol está fadado a ser assistido por um exército de torcedores órfãos, cujos times faliram e deixaram de existir, sem interesse nem envolvimento, como a Major League Soccer nos EUA, em que só o marketing consegue encher os estádios.

Para mim, isso seria terrível. Costumo dizer, com sinceridade, que me considero antes corintiano do que brasileiro. Chego ao cúmulo de não conseguir sentir nada pela camisa canarinho nos jogos da seleção, mas basta o Alvinegro, mesmo descaracterizado como está, entrar em campo para meu coração bater mais rápido e minhas mãos gelarem. Perder esse foco de identificação, para mim, seria perder o contato com algo que define a própria história da minha família e que me liga à história de São Paulo do início do século passado. Acho que é por isso que continuo torcendo e sofrendo pelo Corinthians, mesmo sabendo que não ganho nada - materialmente - com as vitórias, nem perco com as derrotas. Torço porque quero que essa ponte com um passado que não vivi, mas que de certa maneira define quem sou hoje por uma série de razões, continue existindo. Espero que ainda haja tempo para evitar esse desastre.


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