segunda-feira, novembro 22, 2004

Direito e Religião

O New York Times publicou hoje no seu website uma matéria sobre um novo tipo de faculdades de Direito que estão surgindo nos EUA, faculdades criadas por religiosos, no caso os televangelistas Jerry Falwell (líder da Moral Majority e famoso, entre outras coisas, por ter, segundo Larry Flynt, transado com a própria mãe numa latrina depois de tomar um porre de Campari) e Pat Robertson (que tentou ser candidato pelo Partido Republicano à presidência dos EUA em 1988). A reportagem apenas cita outras duas ligadas à Igreja Católica.

Nâo tenho nada contra a interpretação do Direito com base em valores religiosos, até porque negar isso seria tapar o sol com uma peneira: toda análise jurídica é feita com base nos valores do intérprete e o meio deles se encontram valores de cunho religioso. Pensando bem, a negação que eles fazem do relativismo moral que, por várias razões, acabou predominando no pensamento jurídico estadunidense, tem muitos pontos de contato com a argumentação jusnaturalista de preceitos jurídicos/morais imutáveis deduzidos pela razão humana a partir da forma como as coisas são. Até aí, nada de mais, embora eu discorde dessa perspectiva, que, a meu ver, tende a confundir moral com direito, para prejuízo dos dois (para quem se interessa sobre esse assunto, recomendo vivamente a leitura dos caps. XV e XVI do Direito e Razão, de Luigi Ferrajoli)

Mas a porca torce o rabo quando você pega uma declaração como a seguinte:

Prof. Roger C. Bern, who teaches contracts, said that he asked his students to look beyond law as it is ordinarily understood. For example, he said, Christian lawyers should counsel clients not to walk away from oral contracts even where the law allows it.

"The civil government will give you a defense," Professor Bern said. "In God's judgment, I don't know that you're coming off well, making a promise and then breaking it."


Ou então:

Dr. Falwell said he hoped Liberty graduates would choose their cases carefully.

"We will not be committed, for instance, to being good divorce lawyers," he said. "We'll be reconciliation lawyers."


Nada contra acreditar que violações morais na Terra podem acarretar consequências no além-vida, mas daí a instruir o futuro advogado a aconselhar seus clientes a celebrarem contratos oralmente (a pior forma contratual para provar em juízo a existência de um negócio) crendo que a ameaça divina manterá todos "na linha", é uma visão distorcida, se não ingênua, da realidade. Nada contra, também, a ênfase posta na proteção do casamento, cuja vulgarização e fragilização nos últimos tempos é um processo marcante e de efeitos nem sempre benéficos para a nossa sociedade, mas eu tenho dúvidas de o casamento seja, lá, defendido em face do bem do casal, e não simplesmente porque é uma instituição "sagrada" que deve ser protegida a qualquer custo, mesmo que para a infelicidade dos cônjuges...

Por enquanto, segundo a reportagem, tais faculdades ainda não foram reconhecidas pela American Bar Association (a "OAB" lá da matriz), então os seus estudantes correm o risco de ter pago pelo estudo e ficar com um diploma inútil nas mãos. Espero sinceramente que esse reconhecimento só seja feito se, no conjunto, for possível atestar que elas formam profissionais do Direito (ainda que com um bias religioso), e não pregadores de toga.

É isso.

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